Um pequeno relato histórico que se refere única e exclusivamente ao período de 1989 a 2000, em que o Maestro Roberto Farias foi diretor artístico e regente titular, responsável pelo projeto de profissionalização da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo.

A idéia de criação da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, em nível profissional, surgiu da necessidade de dotar o país, a partir de uma iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, de um organismo estável dedicado à difusão da música de concerto originalmente concebido para esse tipo de formação instrumental, o grande conjunto de sopros e percussão, com piano e contrabaixos – a banda sinfônica, com ênfase na música do século XX, elevado ao mesmo status da então já existente Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, tal como pressupõe a sua denominação (Banda Sinfônica do Estado de São Paulo).
A Banda Sinfônica do Estado de São Paulo tem como antecedente um organismo musical de mesmo nome surgido no ano de 1981, com o status de grupo semi-profissional, integrado por bolsistas que a priori deveriam ser jovens estudantes de música. Verifica-se, porém, que esse organismo era predominantemente integrado por instrumentistas com uma faixa etária que ia de 16 a 70 anos, muitos deles oriundos de bandas civis amadoras e bandas militares. Notava-se, entretanto, o pouco interesse de jovens estudantes de música pelas atividades do grupo, fator esse atribuído a falta de perspectiva de crescimento artístico do grupo, dado, talvez, às suas características de funcionamento.
Muito embora, seja o Brasil um país com uma grande tradição de bandas, era notório na época [e desde há muito tempo] a inexistência no cenário musical brasileiro de um organismo estável com características e projeto artístico de uma banda sinfônica segundo padrões universais e que, com propriedade, pudesse fazer frente ao padrão de excelência artística já alcançado pela orquestra sinfônica - os únicos conjuntos que ostentavam tal denominação, banda sinfônica, estavam diretamente vinculadas às atividades militares, porém, ainda orientados por padrões e conceitos antigos, seja do ponto de vista da instrumentação como do repertório – nutriam-se de transcrições, arranjos e adaptações do obras do repertório sinfônico, bem como de música popular e folclórica (nacional e estrangeira) com um resultado artístico nem sempre satisfatório.
No que pese toda essa tradição de bandas, muito desse repertório limitava-se às tradicionais marchas e dobrados, hinos e canções patrióticas, valsas, polcas e arranjos de música popular e folclórica, acomodado a uma instrumentação restrita, por vezes sem grande qualidade artística, funcionando muito mais como música de entretenimento, mais apropriado a apresentações ao ar-livre, tais como retretas, desfiles cívico-militares, comemorações diversas, festas populares e religiosas.
É inegável, dentro da realidade brasileira, a contribuição da banda tradicional na formação básica para instrumentistas que viriam no futuro se destacar tanto no cenário da música de concerto quanto da música popular. A grande questão é que a banda de música sempre foi vista num plano inferior, tanto que alguns historiadores e mesmo antigos mestres de banda a galhardoavam como “o conservatório do pobre”.
Verifica-se, entretanto, que até o final da década de 80, as obras mais significativas do repertório brasileiro original para banda sinfônica eram a “Fantasia em Três Movimentos em Forma de Choros” e “Concerto Grosso” de Heitor Villa-Lobos, obras essas compostas em 1957 e 1958, respectivamente, por encomenda de um importante conjunto sinfônico norteamericano, a American Wind Symphony, numa iniciativa proeminente de seu idealizador e diretor artístico Roberto Brodeau, ainda em plena atividade, aos 82 anos de idade. Curiosamente essas obras se mantinham ainda desconhecidas do público brasileiro até o ano de 1992, quando, dentro dos concertos comemorativos dos 500 Anos da América, tiveram a sua estréia brasileira a cargo da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, no Memorial da América Latina em São Paulo.
É importante salientar que o próprio Museu Villa-Lobos do Rio de Janeiro dava, na ocasião, o material de estantes (partes individuais) como inexistente, autorizando, em caráter excepcional, a confecção de um material alternativo, dando origem a um set de cópias manuscritas produzidas no âmbito da Universidade Livre de Música Tom Jobim – soube-se, mais tarde, de que o material oficial estava disponível, somente para locação, na Editora Peters dos Estados Unidos.
Saiba-se, entretanto, não ser apenas essa a produção de Villa-Lobos para os agrupamentos de sopros e percussão: existem dezenas de obras de menor interesse artístico para a formação de banda militar, dentre as quais arranjos de música folclórica, como parte do Programa de Canto Orfeônico idealizado e dirigido pelo compositor.
No ano de 1966, também sob os auspícios do grupo norteamericano American Wind Symphony, o compositor brasileiro Mozart Camargo Guarnieri, paulista de Tietê, contribuiu com sua “Homenagem a Villa-Lobos”, uma primorosa página musical baseada em ritmos musicais do Nordeste.
Há de se fazer justiça a outras iniciativas de menor alcance na produção de um repertório original para banda sinfônica, todavia, sem grande repercussão, muito embora seja reconhecida a qualidade artística dessas composições, entre as quais merecem destaque composições de Savino de Benedictus, Amaral Vieira e Mário Ficarelli.
A criação de um organismo sinfônico em nível profissional nessa modalidade (sopros e percussão, com piano e contrabaixos), traz consigo um forte desejo de consolidação desse importante meio de expressão artística da era contemporânea, em sintonia com os grandes centros musicais do mundo, como Estados Unidos e muitos países da Europa, com desdobramentos nos países asiáticos, sobretudo China e Japão, onde essa modalidade vem alcançando um alto nível de desenvolvimento.
Continua na Parte 2
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